12 de novembro de 2009

INTERLÚDIO I


Vamos fazer aqui uma pequena pausa e vamos recuar uns bons anos e recordar o que era uma viagem de comboio entre o Cais de Sodré e Cascais no finais do séc. XIX, através de um texto de um autor que desconhecemos e que obtivemos através da internet, assim como as fotos aqui inseridas, e a quem desde já agradecemos o seu valioso contributo pela excelente narrativa que também nos oferece.

Também a pena de duas escritoras, Branca de Gonta Colaço e Maria Archer, nuns textos incluídos no seu livro “Memórias da Linha de Cascais”, editado numa parceria A.M. Pereira, CMC/CMO, nos oferecem uns pequenos apontamentos, deliciosos na sua descrição. Estes textos estão em itálico para se distinguirem do texto base.

É uma viagem repousante, muito característica e durante a qual podemos reviver o que seria essa mesma viagem nesses tempos já algo distantes e compará-la, de algum modo, com aquela que quase todos nos dias de hoje já fizeram, pelo menos uma vez.

Entrem então na vossa carruagem, sentem-se nos vossos lugares e apressemo-nos, pois está na hora da partida do comboio.

Boa Viagem!!!





VIAGEM ILUSTRADA AO PASSADO


"Em cada estação havia um chefe... Ele usava além da farda do ofício, e para despacho do comboio, duas bandeirolas e duas lanternas, uma vermelha e outra verde, que muito intrigavam as crianças. Mas o seu adorno principal era uma enorme campainha de cabo, uma campainha do tamanho de um sino pequeno, que empregava com ares de comando."

Quem diariamente, com olhar distraído, faz o percurso entre Cais do Sodré e Cascais, dificilmente imaginará o pitoresco e emoção de uma viagem, neste trajecto, feita pelos nossos avós, nos finais do século XIX, inícios do século passado.

"A viagem era morosa, poeirenta, fatigante, sacudida de solavancos. Vestia-se às vezes um guarda-pó para ir a Cascais. Uma poeira grossa, encarvoada, entrava pelas janelas do comboio e metia-se sem pedir licença, nos olhos de cada um mas não alterava a alegria do passeio, nem a beleza da paisagem marítima, nem o encanto da serra de Sintra a coroar o horizonte terrestre."

A Linha, que então era apelidada de ramal, começou por ter o seu início em Pedrouços e não no Cais do Sodré, como viria a acontecer anos mais tarde.


Cais do Sodré


Pedrouços


Vindo do lado da Baixa Pombalina, o alfacinha tomava um dos vapores da empresa Lisbonense e rumava a Pedrouços, para aí fazer transbordo e seguir viagem em direcção a Cascais. A viagem de omnibus ou de "americano" além de morosa não era muito agradável, pois a estrada municipal que ligava Lisboa aos arredores, para além do Aterro (Santos), era poeirenta e esburacada, sendo o caneiro de Alcântara, mais um obstáculo para quem o quisesse fazer por via terrestre.


Estação dos Vapores Lisbonenses


Americano no Cais do Sodré


Iniciada a viagem, de costas voltadas para a Torre de Belém e para o Mosteiro dos Jerónimos, o comboio atravessava a Ribeira de Algés e parava nesta estação, que estrategicamente se situava na confluência da estrada de Carnaxide com a estrada Real.


Estação de Algés


Recta de Algés


Algés era então uma pequena aldeia, dos arredores de Lisboa cujo núcleo de casario se situava na sua parte alta.

Seguia então o comboio, em linha recta para o Dafundo, que tinha apenas um apeadeiro, que se situava junto ao aquário Vasco da Gama.

Cruz Quebrada, a próxima estação, está situada na margem direita da Ribeira do Jamor, tal como hoje, junto à pequena praia de banhos.


Estação da Cruz Quebrada


Gibalta


A linha segue depois junto ao sopé das colinas da Boa Viagem e da Gibalta, em terrenos conquistados ao rio. Os mais velhos quando aqui passam, ainda recordam o desabamento de terras, que em Agosto de 1958, provocou a morte a muitos passageiros que seguiam nessa altura no comboio.

Caxias, a próxima paragem, fica virada para o forte de S. Bruno. Aqui terminava a via dupla e a linha afasta-se um pouco do rio.


Estação de Caxias


Estação de Paço de Arcos


Dirigia-se depois a Paço d'Arcos, com a sua elegante praia de banhos. Passava por enormes pedreiras em Santo Amaro, que ainda não tinha estação, e, atravessava a Ribeira da Laje, pela maior ponte da linha, alcançando Oeiras.


Ponte de Oeiras


Estação de Oeiras


Carcavelos está à vista, e por entre pinheiros e vinhas (que davam o famoso Carcavelos) a linha continua dirigindo-se à Parede, cuja praia era, e ainda é, considerada como uma bênção da natureza para quem tem problemas de ossos, atravessando-a pelo meio da povoação. Passa-se a Baforeira e a linha flecte um pouco para o interior. Atinge-se os Estoris.


Estação de Carcavelos


Estação da Parede


No traçado original, apenas S. João do Estoril tinha estação de comboio. Só posteriormente foram construídas, além da do Estoril propriamente dita, a de S. Pedro e a do Monte.

S. Pedro do Estoril, que ainda nos anos vinte se chamava de Cai-Água , teve a sua estação de caminho de ferro, graças aos esforços de Nunes dos Santos, proprietário dos antigos Armazéns do Chiado, que ali tinha comprado uns terrenos e que ofereceu o espaço e o dinheiro necessários para a construção de um apeadeiro, certamente tendo em conta, a valorização dos terrenos de que era proprietário.


Estação do Estoril


Muralha do Monte Estoril


No troço entre os Estoris e Cascais, a linha volta a aproximar-se do Oceano, tendo também por companhia, o verde dos pinheiros do Estoril e o escarpado das terras do Monte.

Cascais, vila piscatória, com os seus palacetes é o fim da viagem e da Linha.


Estação de Cascais (interior)


Estação de Cascais (exterior)




Colaboração do Bardino Vitor Martinez


1 comentário:

Fernando Reigosa disse...

Esta composição do Vitor Martinez é uma autêntica delícia.
Já tinha tido a oportunidade de ler o livro que é referido, e fiquei fascinado, como amante das verdadeiras histórias passadas.
Entre outras recordo-me perfeitamente do acidente na gibalta (mais velhos?, ora porra minha senhora), andava eu no meu quarto ano do Liceu Nacional de Oeiras ao mesmo tempo que praticava natação no Algés e Dafundo com o saudoso Patroni que fez campeões (na mesma época) como o Vitor Fonseca (mariposa e bruços), o António Bessone Basto ('crawl' - livre), o António Santa Bárbara (crawl e costas), o Raul Cerqueira (costas e bruços), etc..
Mas a recordação mais intensa, talvez em fase posterior, ao escrito destas duas damas, era do gozo extraordinário que me dava as águas a saltar na recta para Caxias (Setembro - marés vivas -era a referência), para cima do comboio.
Bué da giro.