21 de janeiro de 2010

AS ESTÓRIAS DA BARDINAGEM 04

OS MALANDROS
DO ANTIGAMENTE

Quando dou por mim a ver os estragos em todo o tipo de bens públicos, desde o vulgar caixote de lixo até a telefones, bancos de jardim, etc. - incluindo os famosos ‘grafitis’ -, que sistematicamente vão sucedendo, quase sempre de noite porque visíveis (novas situações) todas as manhãs, pergunto-me o que poderá motivar este tipo de desatinos, e por que ‘carga de água’ estes putos não se entretêm com outra coisa, já que têm á disposição uma série de possibilidades que no nosso tempo não tínhamos.

Todos conhecemos várias explicações, de todo o tipo. Umas mais coerentes, outras nem tanto. A verdade, quer se queira, quer não, tudo reside num muito simples facto; a evolução da sociedade. Boa? No mau sentido? Descuidada?! Simplesmente diferente. Só podemos aceitá-la e influenciar os nossos próximos no bom sentido (segundo a nossa douta opinião).

Leva-me isto a recordar algumas peripécias dos meus tempos de menino.

Por volta dos meus 20 anos, causei espanto e acesa discussão na família, quando comprei umas calças de ganga cor-de-rosa, imagine-se! ‘Coisa de maricas’, diziam uns, ‘são os novos tempos’ diziam outros.

Na época, por imposição paternal, já que chumbara uma vez no 4º ano do liceu, e outra no 5º , manifestando algum desinteresse, trabalhava de manhã no escritório de um advogado que tratava sobretudo do registo de marcas e patentes, a minha função, e estudava à tarde no Liceu Francês.

Como consequência da polémica, comprei então uma camisola (‘pullover’ como se dizia na época) também cor-de-rosa. Foi a guerra ‘institucional. ‘Provocação’ para uns, ‘libertinagem’ para outros. Cruzaram-se argumentos até que o meu pai, verdadeiro democrata, impôs o silêncio à família, deixando-me em tranquilidade.

Noutra ocasião, tendo eu um fato de ‘trabalho’ cinzento com estreita risca branca como mandavam as regras do bom gosto vigente (que perduraram, lembram-se do Mota Pinto?), decidi comparecer em algumas festas, de certo modo escandalizando os mais antigos (que não velhos), porque usava com o fato uma ‘t-shirt’ amarelo-torrado (“lacoste”, como mandavam os regulamentos da época), sem gola mas com um ligeiro debruado branco. Eu gostava, mas contrariava as combinações de vestuário tradicional, sendo mesmo uma atitude “very shoking”.

Mas, voltando ao assunto inicial, entretenimento na época, não tenho memória desse tipo de necessidades, estragar. Divertíamo-nos imenso, posso assegurar, e nunca prejudicámos ninguém, a não ser por pequenos incómodos.

Para além do óbvio, beber umas cervejas e decidir os destinos do mundo, do futebol, e praticar um pouco de salutar má-língua, andar no ‘engate’, ir aos bailes para uns quantos ‘esfreganços’, tínhamos várias brincadeiras que nos ocupavam todo o tempo de libertinagem (agora sim), que vou referenciar em quatro áreas principais.

Quase toda a população jovem nesta terra participava, mas alguns eram verdadeiros campeões. Apenas apontarei alguns nomes (que me merecem destaque nesta matéria) porque seria impossível ser exaustivo.


1. Meninas

Foi um dos grandes êxitos da malandragem Paçoarquense. Saltou fronteiras, internacionalizou-se, chamou gente de todos os quadrantes, e atingiu metas inimagináveis (só faltou vendermos a patente).

Não sendo inédita, foi uma brincadeira levada com ‘profissionalismo’ por este pessoal. Sempre desempenhada de madrugada, para surtir o efeito interessante.

Consistia em sentar um dos ‘artistas’ no muro da marginal, quase sempre em frente á estátua do Patrão Lopes, calças arregaçadas acima dos joelhos, meias enroladas para baixo e lenço na cabeça, acenando aos automobilistas que iam passando.

Naturalmente que pensando tratar-se de ‘meninas’ á procura de clientes, uns quantos afoitavam-se a contornar, no intuito de abordar a ‘menina’, ou mesmo parando em frente ao ‘artista’.

Era a altura para o resto do pessoal escondido até então por trás do muro, aparecer em forte alarido, provocando o susto ou a raiva ao incauto.

Houve de tudo.

Aqueles que fugiam apavorados.

Aqueles que achavam graça á brincadeira, e até, em bastantes casos, se juntavam ao grupo (principalmente gente estrangeira).

Os envergonhados, que paravam 20 metros á frente, e faziam pisca á espera que a ‘menina’ se acercasse. Nesta última, por duas vezes, foram apanhados padres (também são gente).

Os do tipo ‘não tenho medo de ninguém’, que ao verem uma multidão ululante e gesticulante avançando em sua direcção, simplesmente contra-atacavam, pondo em debandada a turba.

Aqueles que se punham em fuga, para telefonar à polícia, que quando aparecia, provocava o ‘salve-se quem puder’, cada um para seu lado, sempre com resultados satisfatórios; não há notícia de alguma vez alguém ter sido agarrado.

Havia também quem parasse em amena cavaqueira com o pessoal, por vezes originando acidentes. Outros automobilistas viam uma multidão de volta de um carro, de madrugada, e, com a inerente curiosidade, distraiam-se o suficiente para ir chocando em cadeia, altura em que o pessoal escapulia rapidamente.

Eram verdadeiros campeões no papel de meninas, o ‘Daducha’, o Zé António, o Vasco e o Luís Torres (mais conhecido pelo Torres ‘Merda’).

Nota: Infelizmente três destes amigos já morreram; sobra, tanto quanto julgo saber, o ‘Daducha’ (companheiro doutras aventuras, que a seu tempo virão a lume, ‘assim me sobre engenho e arte’).


2. Fio de pesca

Esta era uma brincadeira bem mais inofensiva, e muito conhecida, mas que sempre surtia efeito.

Era levada a cabo durante o dia; fim de tarde era o que colhia melhores efeitos, pela descontracção das pessoas nessa altura, descomprimindo as ‘agruras‘ do dia.

Dois ‘artistas’ simulavam estar a estender um fio de pesca ao longo da muralha, forçando os pobres transeuntes a procurar o fio, e tentar passar por cima para não tropeçar ou prejudicar o trabalho dos ‘artistas’.

Nada de mais. Mas sempre nos dava algum gozo, sobretudo quando, eventualmente, algum passeante dava pela marosca.


3. Casamentos

Esta era uma brincadeira bem mais complexa, e que requer uma introdução.

Na época era vulgar (?) haver algum pessoal homossexual, colocado em sítios propícios, a cativar quem não se importasse de, a troco de algum dinheiro, satisfazer esse tipo de necessidades (?).

Era assim em Lisboa, na Av. da Liberdade, na Praça Marquês de Pombal, etc., tal como eram conhecidos alguns dos ‘requisitantes’, como por exemplo o ‘marquês da luva branca’.

Paço de Arcos, mais propriamente o Jardim Marquês do Pombal, era infestado diariamente, à noite, por gente dessa em busca dos soldados recém colocados na escola Electromecânica, e que por aí se passeavam.

A brincadeira, usualmente bem aceite, consistia em obrigar dois desse ‘caçadores’ a desempenhar uma completa cerimónia de casamento, junto à estátua do Patrão Lopes, naturalmente que com a nossa bênção.

Os campeões desta área eram o Zé Manel Arrobas, o Zé Pracana e, também o ‘Daducha’.


4. Telefonemas

Talvez a mais ‘chata’ de todas as brincadeiras, pelo adiantado da hora em que a praticávamos.

Coisa simples.

Corria-se a lista telefónica à procura de nomes de animais: leão, carneiro, gato, cordeiro, o que quer que fosse.

Ligava-se para casa dessa pessoa e abordava-se com uma história previamente engendrada. O mais comum era dizer que fugira do Jardim Zoológico o animal desse nome e depois esperar as reacções.


O grande campeão desta especialidade, era o Américo Bravo, infelizmente também já desaparecido.

Nota: Haverá que esclarecer que defraudávamos a companhia dos telefones, porque não introduzíamos qualquer moeda (as chamadas eram sempre feitas de cabines telefónicas), antes utilizávamos um método infalível, na época, hoje não será o caso, e que consistia em atravessar o fio do telefone com um alfinete, de modo e entrar em contacto com o fio metálico, e encostar o alfinete na área metálica da caixa de suporte do telefone, accionando a chamada. Nunca falhou.

Verdade, verdade, é que, como quer que fosse, nunca depauperámos o erário público, exceptuando os tostões da nota acima.

Outros tempos, como dizia a minha avozinha.



Colaboração do Bardino Fernando Reigosa.


1 comentário:

Fernando Reigosa disse...

Pela ausência de comentários, concluo que já não há malandros (julgam eles, que olham sempre para um espelho embaciado).
Enfim, cada qual sabe do seu umbigo.