19 de novembro de 2009

O PEIXE-MONSTRO DE PAÇO DE ARCOS

O "PEIXE MONSTRO" DE PAÇO DE ARCOS
Paço de Arcos, 10 de Abril de 1894




Terça-feira, 10 de Abril de 1894

Pelas 7 horas da manhã na praia desta localidade, avistou-se defronte de Caxias, um grande volume ao cimo da água, presumiu-se ser um tonel.

Luís Martins dirigiu-se numa canoa aquele sítio e, achando-se a uma certa distância viu desaparecer o referido volume, não podendo verificar o que era.

Momentos depois, próximo do cais desta localidade apareceu um enorme peixe, que dizem ser o volume que se avistara. Imediatamente Manuel Esteves, cabo do mar, Francisco Martins, Quirino Lopes e mais indivíduos, em botes, lançaram-no com cabos que por 3 vezes partiram e só com auxílio de croques e bixeiros, conseguiram agarrá-lo.

Conduzido a muito custo o peixe para terra, verificou-se ser completamente desconhecido aos marítimos, mesmo aos mais antigos. Mede 8 metros de comprimento por 4 de diâmetro.

Mais de 500 pessoas das proximidades têm vindo à praia ver o peixe, que continua até quarta-feira em exposição.



Quarta-feira, 11 de Abril de 1894, às 6 horas.

Fomos ontem a Paço de Arcos, a fim de ver se podíamos obter uma fotografia do peixe que ali foi apanhado, mas foi impossível realizar o nosso desejo. O animal tinha sido vendido já para o museu da Escola Politécnica, estava já retalhado, tendo sido aberto pelo ventre em toda a extensão, e pela praia via-se grande quantidade dos seus pedaços.

A quantidade de povo que se aglomerava em torno do peixe era enorme. Em todos os comboios desde manhã, tinham ido inúmeros passageiros para Paço de Arcos, e mesmo o das 4 e um quarto da tarde levou bastante gente.

Segundo ali ouvimos, calcula-se que o peixe pesava 200 arrobas. Mede 8 metros de comprimento, armado de serrilha, com duas barbatanas dorsais, uma das quais termina em meio crescente e está situada no meio do corpo, e a outra é triangular, e está situada próxima da cauda. Tem no peito 2 barbatanas grandes e 2 mais pequenas no ventre. Os olhos do peixe são muito pequenos e a boca é semelhante à dos tubarões, armada com 3 ordens de dentes. A pele do dorso é de cor azul escuro e a do ventre branca.

O comboio nº 106, que devia chegar à estação do Rossio às 7 horas e 51 minutos da noite, trouxe 18 minutos de atraso por causa da afluência de passageiros nas diferentes estações.

No Rossio foram vendidos para Paço de Arcos 4 bilhetes de 1ª classe, 15 de 2ª, 47 de 3ª e foram recolhidos 104 das três classes. Na de Alcântara-Terra foram vendidos 29 de ida e volta.


Quarta-feira, 11 de Abril de 1894, às 18 horas da tarde.

Tem sido grande a concorrência para ver o peixe aparecido na praia desta localidade. Ontem até alta noite, não deixou de vir gente.

O peixe, segundo a opinião dum professor, é o denominado "Frade". Foi posto em praça pela 1 hora da tarde, sendo arrematado pela quantia de 40$500 réis, pelo Museu de Lisboa, que mandou já esfolar para aproveitar a pele.

Dizem que este é o primeiro que apareceu desta qualidade em Portugal. O Sr. D. Carlos veio no seu iate desembarcando à 5 da tarde: esteve examinando o peixe e conversou com Manuel Esteves, cabo do mar, um dos indivíduos que ajudou a apanhá-lo, prometendo a todos a sua protecção. O Sr. D. Carlos regressou a Lisboa no iate que o conduziu aqui.

Calcula-se em 3.000 o número de pessoas que até hoje têm vindo, não só da capital como das localidades circunvizinhas. As casas de pasto e restaurantes têm tido grande enchente, chegando em algumas destas casas a acabar a comida.

Segundo a experiência feita, o peixe não é aproveitável nem para derreter.



Quinta-feira, 12 de Abril de 1894

O peixe monstro que deu à costa de Paço de Arcos e ali foi pescado nas circunstâncias que referimos, veio ontem para Lisboa, dando entrada no picadeiro da Escola Politécnica, onde vai ser preparado para figurar no importante Museu da escola.

Do peixe só veio a pele e a cabeça. O resto foi abandonado na praia.



Sexta-feira, 13 de Abril de 1894

Continuou ontem a ser grande a romaria de curiosos ao picadeiro da Escola Politécnica, para verem o peixe que, como noticiámos, foi arpoado por pescadores próximo da praia de Paço de Arcos.

Não puderam, porém, satisfazer a sua curiosidade porque o monstro marinho não estava patente ao público, e compreende-se que não esteja, pois já começaram os trabalhos para a sua conservação.

Estes trabalhos são dirigidos pelo Sr. Alberto Gil Girrid, inteligentíssimo engenheiro e conservador do museu da Escola Politécnica, e executados pelo preparador Sr. Manuel de Sousa e seus ajudantes Seabra Santos e Costa.

Para os leitores poderem fazer uma pequena ideia do enorme tamanho do monstro marinho, basta dizer que o seu peso é calculado em 2 toneladas, 2.000 quilos, e foram necessários 3 homens para conduzir os fígados depois de tirados. O coração é também enorme; tem um tamanho de uma melancia grande e pesa 10 quilos. Pela boca, que mais parece uma furna, cabem 2 homens. Depois de aberta exala um activo cheiro a amoníaco.



Sábado, 14 de Abril de 1894

A quantia de 40$500 réis dada pelo museu da Escola Politécnica, na compra do peixe monstro que foi arpoado por pescadores próximo de Paço de Arcos, foi assim distribuída:
Manuel Esteves, Cabo do mar em Paço de Arcos, 6$000 réis; Quirino Lopes, filho do Patrão Joaquim Lopes, 3$000 réis; Francisco Martins, 3$000 réis; Luís Martins, 3$000 réis; António Eleutério, 3$000 réis; Barata, 2$500 réis; J.Padeiro, 1$500 réis; Perry, 1$500 réis; António Carate, 1$500 réis; Francisco Valares, 1$500 réis; Pedro Bicho, 1$300 réis; António Trafaria, 1$000 réis; Joaquim Caguiné, 1$000 réis; José Macaco, 1$000 réis; Camarão, 1$000 réis; Miguel das Cabras, 600 réis; João Correia, 600 réis; José Paulo, 600 réis; António Nieto, 600 réis; Prim, 400 réis; Guardas da Noite, 2$035 réis; Direitos do peixe, 2$035 réis; idem da praça, 320 réis; Manuel Tripeiro, 600 réis; e diversas despesas, 945 réis.

O fígado do peixe deu dois barris de óleo. Os trabalhos de embalsamento continuam, e dentro de breves dias o peixe será exposto ao público.



Fonte: Brochura da autoria de Rogério de Oliveira Gonçalves, ilustre historiador e estudioso de Paço de Arcos, editada pela Junta de Freguesia de Paço de Arcos e o Paço de Arcos 2000, em 1994, aquando da celebração do centenário da captura do Peixe-Monstro (Tubarão-Frade).

Os textos originais são do jornal "O Século", tendo o autor atrás mencionado feito a respectiva pesquisa, sendo aqui transcrita com a ortografia da época devidamente actualizada.


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CETORHINUS MAXIMUS
(Gunnerus, 1765)




Este tubarão é o segundo maior peixe conhecido actualmente, chegando a atingir cerca de 14 metros de comprimento e um peso de 3,5 a 4 toneladas.

Também chamado por Peixe Frade, Peixe Carago, Tubarão-Frade, ou simplesmente Carago ou Frade, apesar da sua grande envergadura é inofensivo para o homem, pois à semelhança das baleias, alimenta-se de plâncton.





O peixe monstro que durante vários dias foi primeira notícia do país, que mobilizou centenas de curiosos a deslocarem-se a Paço de Arcos, ardeu no incêndio que destruiu a Faculdade de Ciências de Lisboa, em 18 de Março de 1978, onde estava exposto.

Contribuiu para História da vila de Paço de Arcos com um dos mais fascinantes episódios.


Praia de Paço de Arcos à época.


Localização do local onde foi colocado na praia o peixe monstro.
Não existia ainda a Avenida Marginal.



6 dos pescadores que capturaram o peixe monstro.
(Foto Jornal "A Voz de Paço de Arcos")




Fonte: Textos retirados na sua totalidade de uma separata do Jornal "A Voz de Paço de Arcos", onde foram publicados em Junho de 2009. Os nossos agradecimentos.





Colaboração do Bardino Vitor Martinez.


2 comentários:

Ana Oliveira disse...

Mais uma bela história (estória) de Paço de Arcos que desconhecia!

Também gostei muito do post sobre "Paço de Arcos re-visitado"

Agora este blog merece uma visita diária.

Obrigada

Beijos

Ana

Fernando Reigosa disse...

Também tinha esta na manga.
Mas ainda bem que te antecipaste, porque o teu artigo estará concerteza mais 'competente' do que eu seria capaz de fazer.
Parabéns.
É um magnífico exemplo do tipo de coisas que poderemos 'pescar', para mostrar ao mundo o que são eatas terras, o seu mar, e sovretudo, as suas gentes.